RESENHA:
FREIRE, Paulo. (1979). Educação e Mudança. 31ª ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2008.
O homem deve ser o sujeito de sua própria
educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.
FREIRE,
[1979] 2008, p. 28
O livro Educação
e Mudança, de Paulo Freire, foi originalmente escrito em 1979, contém 79
páginas, e em sua 31ª edição foi publicado pela editora Paz e Terra. O mesmo apresenta um prefácio e quatro estudos,
divididos em capítulos. O prefácio é de Moacir Gadotti. O primeiro capítulo
intitula-se O compromisso do Profissional
com a Sociedade. O segundo, A
Educação e o Processo de Mudança Social. O terceiro, O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança e o quarto e
último, Alfabetização de Adultos e
Conscientização.
No prefácio, Moacir Gadotti discorre sobre a
vida do referido autor. Apesar de ter sido exilado, Paulo Freire nunca deixou
de ser otimista. Como declara Gadotti “Paulo Freire não é um intelectual
acadêmico, distante da vida concreta, do quotidiano. É por isso [...] que sua
teoria e sua práxis são tão fortes, violentas até, carregadas de um sentido
existencial profundo”, (FREIRE, [1979] 2008, p. 10). Sendo assim, Freire não
desvincula a teoria da prática; são, na verdade, indissolúveis em suas
reflexões. Como a educação, para Freire, é um ato de conscientização, tal ação
torna-se (ou pode-se tornar) libertadora e transformadora. Nesse sentido,
apresenta-se como porta-voz dos oprimidos, dos excluídos, é o “pedagogo dos
oprimidos” (FREIRE, [1979] 2008, p. 10). Demonstra, pois, que a temática
central da obra é a mudança. A
pedagogia de Freire se refere ao papel fundamental da educação
(conscientização) de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais. Segundo
Gadotti: “enquanto os ‘grandes debates’, os ‘seminários revolucionários’
permanecerem dentro da escola, cada vez mais isolada dos problemas reais e
longe das decisões políticas, não existirá uma educação libertadora” (FREIRE, [1979]
2008, p. 12). É nessa direção que o pensamento de Freire caminha, e indaga: A
escola não seria um local de dominação (em que o burguês impõe uma forma de
pensar) a um grupo dominado? Ainda no prefácio, Gadotti evidencia questões de
maneira crua, mas realista (é válido lembrar, sempre na esteira de Freire): “não podemos esperar que uma escola
seja ‘comunitária’ numa sociedade de classes. [...] Ela não é uma ilha de
pureza no interior da qual as contradições e os antagonismos de classe não
penetram” (FREIRE, [1979] 2008, p. 13). Pelos apontamentos aqui bosquejados,
percebemos como nesse prefácio Gadotti consegue despertar o interesse de seus
interlocutores para a leitura completa da referida obra que se lhes apresenta.
Nesse sentido, o primeiro capítulo,
intitulado O compromisso do Profissional
com a Sociedade discorre, como o próprio nome do capítulo indica, sobre a
questão do compromisso social que o
profissional deve assumir. Para isso, é necessário, primeiramente, que o
protagonista da educação esteja consciente de sua realidade, isto é, que seja
capaz de “agir e refletir” (FREIRE, [1979] 2008, p. 16). Isso exige um
exercício de “distanciamento” e concomitante “reflexão sobre” o contexto que o
cerca para poder objetivá-lo e transformá-lo.
Além disso, esse compromisso deve ser realizado por um ser concreto, com
existência concreta em uma situação concreta no mundo físico. Em outras
palavras, utilizando a metáfora das “águas”, Freire afirma que não há como
comprometer-se verdadeiramente, sem mergulhar-se, sem ficar “molhado”,
“ensopado” (FREIRE, [1979] 2008, p. 19). Para Freire, até mesmo aquele que se
diz “neutro”, “sem compromisso”, está, na realidade, com medo de se posicionar.
Assim, oculta a verdade, ou seja, o comprometimento consigo próprio. Ademais,
compromisso não é um ato passivo, inapto, mas é práxis (ação e reflexão sobre a
realidade), é, também, sinônimo de solidariedade, nunca unilateral ou reduzida
à “falsa generosidade”. Aquele que se compromete não pode ter uma visão ingênua
da realidade, mas precisa buscar conhecê-la, compreendê-la em sua totalidade. Por
fim, ainda neste primeiro capítulo, Freire evidencia que além do
comprometimento genérico, deve existir também o comprometimento profissional,
como uma dívida que o profissional assume em sua prática.
O segundo capítulo, A Educação e o Processo de Mudança Social, inicia-se com uma
reflexão antropológico-filosófica sobre o conceito de educação imbricado à
questão da mudança. Nessa via, a educação tem caráter permanente, contínuo e o
homem, um ser incompleto, inacabado por natureza, deve estar sempre em formação;
aliás, “não haveria educação se o homem fosse um ser acabado”, reitera Freire
([1979] 2008, p. 27). O homem é um ser em constante aprendizagem, um “educando”
jamais sabedor de tudo, jamais ignorante absoluto: “por isso, não podemos nos
colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim
na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem
outro saber relativo” (FREIRE, [1979] 2008, p. 29). A educação envolve várias
questões. Primeiro, Freire elucida que não há educação se amor, pois “quem não
ama não compreende o próximo, não o respeita” (FREIRE, [1979] 2008, p. 29).
Assim, a educação deve estar ligada a esse respeito que não busca apropriar-se
do próximo, impor-se, pelo contrário,
almeja a comunicação e interação respeitosas. Outro ponto é que não há educação
sem esperança, nem mesmo sem relações, pois o homem é um ser de relações. Sobre
relações, Freire elucida a questão das sociedades (fechadas) cujas decisões
econômicas são feitas fora delas, como é o caso dos países da América Latina,
especialmente no contexto social, econômico e político anteriores às décadas de
1960 e 1970: “A sociedade fechada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio e por desenvolver
todo um sistema educacional para manter este status” (FREIRE, [1979] 2008, p. 34). Esses países de terceiro
mundo só tomam decisões que não ferem seus colonos ou aqueles que têm
influência e poder muito fortes sobre os mesmos, como é o caso dos Estados
Unidos. À título de ilustração, podemos refletir sobre a exportação do café brasileiro.
Não é novidade para ninguém que os melhores produtos (aqui produzidos) são
consumidos pelos países ditos de primeiro mundo. Ademais, uma sociedade
alienada não pensa por si, é inautêntica. Apesar das mudanças ou aberturas na
América Latina, Freire destaca que há ainda uma “consciência bancária” da
educação, ou seja, ao fato de que o educador é aquele que deposita
conhecimentos e o aprendiz aquele que recebe “passivamente” os mesmos. Nessa
concepção, acredita-se que quanto mais se “dá”, mais se sabe. Tudo isso é
reflexo de uma consciência ingênua, sem profundidade da realidade, sem
inquietações ou indagações. Enfim, em todas as questões tratadas nesse
capítulo, é muito relevante salientar que há uma aproximação muito forte de
Freire com Marx. Assim como este último, aquele primeiro reclama o fato de um
indivíduo inserido em um contexto social, encontrar muitas dificuldades para
“romper” com seu status (ad exemplus, de operário para professor
universitário) em virtude das condições econômicas e sociais que lhe são
impostas.
O terceiro capítulo trata d’O Papel do Trabalhador Social no Processo de
Mudança, ou seja, Freire discorre acerca desta questão, e inicia o capítulo
refletindo, em um tom bastante filosófico em relação aos capítulos anteriores,
sobre a profundidade desta expressão.
Discorre sobre a dialética mudança-estabilidade, e afirma que as mesmas
não são independentes da estrutura (social): “mudança e estabilidade resultam
ambas da ação, do trabalho que o homem exerce sobre o mundo. Como um ser de
práxis, o homem, ao responder aos desafios que partem do mundo, cria seu mundo:
o mundo histórico-cultural” (FREIRE, [1979] 2008, p. 46). O mundo é produto da
práxis humana e, ao mesmo tempo, (o mundo) se volta para ele (o homem),
condicionando-o. Todas as questões
referentes à dicotomia estabilidade-mudança referem-se às estruturas sociais.
Essas estruturas sofrem mudanças, mas também se estabilizam, e são exatamente
estas (estruturas) que se colocam para o trabalhador social cumprir suas tarefas.
Ou seja, é somente por meio da percepção do ontos
(essência da realidade) que o homem pode refletir e agir conscientemente para
mudança da realidade, pois se a estrutura social é obra do homem, a sua
transformação também o é. Nesse sentido, o trabalhador social não pode se
colocar “neutro” no processo, nem tampouco impor (mesmo mascaradamente) seus
ideais (aliás, ele busca ser um instrumento de verdadeira libertação e
humanização). A realidade pode, portanto, ser mudada; não é algo utópico,
inacessível, “a mudança da percepção da realidade, que antes era vista como
algo imutável, significa para os indivíduos vê-la como realmente é: uma
realidade histórico-cultural, humana, criada pelos homens e que pode ser
transformada por eles.” (FREIRE, [1979] 2008, p. 50). Freire tenta demonstrar
que as mudanças nas estruturas sociais são possíveis, mas, para tal, exige um
processo de reflexão e reconhecimento da realidade que condiciona o ser, para
que este possa atuar sobre essa mesma realidade e mudá-la. É por meio da
percepção que ele pode alterá-la, objetivá-la. Portanto, de um fatalismo,
passa-se para um estado de esperança. Entretanto, é de se esperar que as
estruturas sociais que estão sofrendo pressão (para uma consequente mudança)
reajam a tais pressões e resistam a toda e qualquer mudança social. Ainda nesse
capítulo, Freire toca a questão da cultura: “evidentemente, a maneira de andar,
de falar, de cumprimentar, de se vestir, os gostos são culturais. Cultural
também é a visão que tem ou estão tendo os homens da sua própria cultura, da
sua realidade” (FREIRE, [1979] 2008, p. 57). A despeito dessa visão
(condicionadora do social), o homem é capaz de alterar sua realidade: “tentar a
conscientização dos indivíduos com quem se trabalha, enquanto com eles também
se conscientiza, este e não outro nos parece ser o papel do trabalhador social que optou pela mudança” (FREIRE, [1979]
2008, p. 60, grifo do autor).
O quarto e último capítulo, Alfabetização de Adultos e Conscientização,
trata da relação homem-educação-mundo. O homem é sujeito da educação e
não objeto da mesma. Assim, ele deve agir criticamente em seu espaço social e
histórico-temporal. É a partir do conhecimento de suas condições, que esse
sujeito poderá se “distanciar”, analisar sua realidade e intervir sobre ela. O
homem descobre-se nessa realidade, realidade essa que guarda em si uma
pluralidade, criticidade, consequência e temporalidade. Essas características
fazem parte das complexas relações humanas e “é porque se integra na medida em
que se relaciona, e não somente se julga e se acomoda, que o homem cria, recria
e decide” (FREIRE, [1979] 2008, p. 64). Freire faz uma discussão filosófica
sobre o “agir” humano sobre sua realidade e como esse processo de “mudança” da
realidade, implica, concomitantemente, mudanças no ser, nas épocas históricas.
Essas mudanças se dão por transições, momentos de opções, de escolhas. Freire
avança o capítulo refletindo sobre essa transição no Brasil. Para ele, as
transições, ou avanços fazem parte da democratização do país. Para tal, é
necessário o conhecimento e a organização do pensamento. Assim, pensar é um ato
fundamental. Como fazê-lo? - indaga Freire. Por meio do diálogo, da pedagogia
da comunicação. É por meio da comunicação que o analfabeto é alfabetizado, que
aprende a gramática, o vocabulário, etc. Enfim, Freire apresenta alguns
resultados frente ao Programa Nacional de Alfabetização de Adultos em conjunto
com a Universidade do Recife. Todos positivos!
Ficou ótimo o texto, bem compreensível e prático para meus estudos, Obrigada!
ResponderExcluirmuito bom .. clareza nas informações
ResponderExcluirmuito bom .. clareza nas informações
ResponderExcluirmuito compreensível, parabéns :)
ResponderExcluirmuito compreensível, parabéns :)
ResponderExcluirFicou muto bom, parabéns :D
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