Eis o texto de Villas Boas intitulado "Avaliação Formativa e Formação de Professores - Ainda um Desafio" que tece considerações bem pertinentes sobre a avaliação formal e informal, especialmente no que tange ao feedback contínuo, que é um elemento essencial da avaliação formativa.
AVALIAÇÃO FORMATIVA E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: AINDA
UM DESAFIO
L’ÉVALUATION FORMATIVE ET LA FORMATION DE MAÎTRES : ENCORE
UN DÉFI
Benigna Maria de Freitas Villas Boas *
Resumo
O texto analisa a importância da avaliação formativa no processo de formação de professores, para que, como conseqüência, ela seja praticada em escolas de todos os níveis. Apresenta-se o entendimento de processo de formação de professores, de cursos de formação de professores, e de avaliação formativa. Analisam-se as características da avaliação formativa e de três dos seus componentes essenciais. Conclui-se que: a) os professores aprendem a avaliar enquanto se formam, o que justifica a prática da avaliação formativa em todos os níveis escolares; b) o feedback é elemento-chave na avaliação formativa; c) a vivência do feedback que se transforma em auto-monitoramento, da avaliação informal encorajadora e complementadora da avaliação formal e da auto-avaliação que dá responsabilidade ao aluno contribui para o desenvolvimento da autonomia intelectual de alunos e professores. Com esse entendimento, a avaliação cumpre sua vocação de promover aprendizagem duradoura.
O texto analisa a importância da avaliação formativa no processo de formação de professores, para que, como conseqüência, ela seja praticada em escolas de todos os níveis. Apresenta-se o entendimento de processo de formação de professores, de cursos de formação de professores, e de avaliação formativa. Analisam-se as características da avaliação formativa e de três dos seus componentes essenciais. Conclui-se que: a) os professores aprendem a avaliar enquanto se formam, o que justifica a prática da avaliação formativa em todos os níveis escolares; b) o feedback é elemento-chave na avaliação formativa; c) a vivência do feedback que se transforma em auto-monitoramento, da avaliação informal encorajadora e complementadora da avaliação formal e da auto-avaliação que dá responsabilidade ao aluno contribui para o desenvolvimento da autonomia intelectual de alunos e professores. Com esse entendimento, a avaliação cumpre sua vocação de promover aprendizagem duradoura.
Palavras-chave: Avaliação. Avaliação formativa. Formação de
professores. Feedback. Avaliação informal. Auto-avaliação
Dados recentes do Ministério da Educação informam que 91%
dos estudantes brasileiros terminam a educação fundamental abaixo do nível
desejável de aprendizagem, apresentando dificuldades para reter ou compreender
textos básicos. Em 2004, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira – INEP – divulgou dados da avaliação realizada em
2003 pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), associando o
perfil dos alunos da 4ª série do ensino fundamental ao seu desempenho, os quais
são resumidamente apresentados a seguir.
Morar em cidades com menos de 200 mil habitantes, na Região
Nordeste, trabalhar, ter sido reprovado na escola e ter pais com baixa
escolaridade foram características encontradas em maior grau entre os
estudantes que estavam no estágio muito crítico de conhecimento em Língua Portuguesa. Os
alunos das escolas municipais eram os que apresentavam pior desempenho: 22,8%
estavam no estágio muito crítico de desempenho em Língua Portuguesa. Os
municípios concentravam 66% dos 18,9 milhões de alunos de 1ª a 4ª série do
ensino fundamental, de acordo com dados do Censo Escolar (INEP, 2004).
A reprovação, o abandono da escola e o conseqüente atraso
escolar dos estudantes também incidiam negativamente no desempenho. Entre os
alunos reprovados pelo menos uma vez, 32% se situavam no pior patamar de
desempenho do Saeb e, entre aqueles que não foram reprovados, 12,4% se situavam
no patamar mais baixo. Do total de alunos que declararam ter abandonado a
escola pelo menos uma vez, 32,6% estavam no estágio muito crítico; dentre
aqueles que não deixaram a escola, o índice foi de 16,6%. Com relação ao atraso
escolar, 19,3% dos alunos que apresentavam um ano de defasagem estavam no
estágio muito crítico; o índice era de 11,1% para os que não apresentavam
distorção idade-série (INEP, 2004).
A rejeição que alguns estudantes sofriam na sala de aula,
pelos colegas ou pelos professores, teve impacto no desempenho escolar,
principalmente entre as crianças da 4ª série do ensino fundamental. Segundo dados
do Saeb, 13% dos alunos da 4ª série afirmaram se sentir "deixados de
lado" na sua turma. Para 34%, essa situação ocorria de vez em quando. Percebe-se,
então, que 47% desses alunos se sentiam rejeitados.
Na 8ª série do ensino fundamental e na 3ª série do ensino
médio, onde 12% e 9% dos estudantes, respectivamente, disseram se sentir
"deixados de lado" na sala de aula, a influência da rejeição
mostrou-se menor.
Dentre os indicadores que têm forte impacto na aprendizagem
encontram-se as condições de trabalho das escolas (instalações físicas,
recursos didáticos, biblioteca, recursos humanos etc.), o envolvimento das mães
e dos pais, a escolaridade das mães e dos pais, a formação dos professores e
demais profissionais da educação que atuam na escola e a organização do
trabalho pedagógico, incluída a avaliação. Geralmente não se inclui a avaliação
nesse rol, porque ela costuma ser entendida como aplicação de provas e
atribuição de notas, servindo para aprovar ou reprovar os alunos. Contudo, no
seu sentido mais amplo, ela tem sido o mecanismo pelo qual o aluno é incluído
na escola ou dela é excluído.
* Doutora em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp, 1993) e Pós-doutora em Educação pelo Instituto
de Educação da Universidade de Londres (1997). Professora da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília (mbboas@terra.com.br).
Sabe-se que a avaliação praticada na escola pode cumprir
duas funções principais: classificar o aluno ou promover a sua aprendizagem. A
primeira delas tem sido a mais empregada. Classificam-se os alunos de várias
formas: por meio de notas ou menções; quando são agrupados por nível de
aprendizagem, para a constituição de turmas; quando são rotulados em fortes,
médios e fracos, para fins diversos; quando se oferecem estudos de recuperação
somente para os alunos de “menor rendimento” ou “para os casos de baixo
rendimento escolar”, expressões usadas pela LDB nº 9.394, de 20/12/96 (inciso
V, art. 12; e letra “e”, inciso V, art. 24, respectivamente). Pela maneira como
essa lei apresenta a recuperação, as escolas podem entender que o objetivo é a
“recuperação” de notas, e não o oferecimento de condições para o aluno aprender
o que “ainda” não aprendeu. A redação da lei indica que somente os alunos com
“baixo rendimento” têm direito a ela. Com relação à impropriedade do termo
“recuperação”, apresentei anteriormente minha análise (VILLAS BOAS, 2004, p.
80).
Quando se apresentam os resultados insatisfatórios do
desempenho estudantil, geralmente não se questiona a avaliação. É comum
responsabilizar os alunos e suas famílias: os primeiros são preguiçosos, não
gostam de estudar e não querem “saber de nada”; seus pais, por sua vez, são
acusados de não os auxiliar nas tarefas de casa e de não colaborar com a
escola. Entretanto, a avaliação classificatória pode ser um dos fatores que têm
contribuído para o insucesso do aluno, do professor e da escola. Ela está tão
impregnada na cultura escolar, que se torna extremamente difícil libertar-se
dela. Políticas de combate à repetência e à evasão escolar são importantes e
necessárias, mas é preciso olhar para dentro da escola para investigar o que
acontece ali. Atenção especial merece a organização do trabalho pedagógico, aí
incluída a avaliação. Os dados fornecidos pelo MEC mencionam elementos
diretamente relacionados à avaliação, no seu sentido mais amplo: reprovação,
pais e mães com baixa escolaridade, abandono da escola, rejeição por
professores e colegas e atraso escolar. A avaliação que valorize o aluno e sua
aprendizagem e o torne parceiro de todo o processo conduz à inclusão, e não à
exclusão. Esse é o papel da avaliação formativa.
Contrariamente à avaliação classificatória, a formativa
promove a aprendizagem do aluno e do professor, e o desenvolvimento da escola,
sendo, portanto, aliada de todos. Despe-se do autoritarismo e do caráter
seletivo e excludente da avaliação classificatória.
Um dos indicadores que exercem grande influência sobre a
organização do trabalho pedagógico que acolha a avaliação formativa é a
formação do professor, nos seus vários momentos. Por esse motivo, o propósito
deste texto é argumentar em favor da avaliação formativa no processo de
formação de professores, para que, como conseqüência, ela seja praticada em
todos os níveis escolares.
A avaliação formativa pode contribuir para a
mudança do cenário educacional
Na educação escolar brasileira, ainda se encontram fortes
traços da avaliação classificatória, seletiva e excludente. Ainda se avalia
para dar nota e para aprovar ou reprovar os alunos. As práticas avaliativas
escolares têm, cada vez mais, se inspirado na competição presente nas
atividades sociais. Não é à toa que se diz com freqüência: professor nota 10;
show nota 10; promoção nota 10 (de loja); gás nota 10 etc. Como a avaliação
está presente em todas as situações da vida, é natural que haja influência
mútua entre a que se realiza na escola e a que acontece no nosso dia-a-dia.
A avaliação classificatória é uma das manifestações da
avaliação somativa, na escola. A expressão “avaliação classificatória” não é
utilizada na literatura internacional sobre avaliação. Em um artigo sobre
avaliação formativa, que pode ser considerado clássico, tal a sua importância e
o uso que dele tem sido feito, o professor australiano ROYCE SADLER (1989, p.
120) afirma que a avaliação somativa apresenta o balanço do desempenho do aluno
ao final de um período de estudos, geralmente com o propósito de certificação.
Encontra-se, também, que a avaliação somativa é empregada para “medir” o que
foi aprendido ao final de um determinado período; para promover os alunos; para
assegurar que eles alcancem os padrões de desempenho estabelecidos para
conclusão de cursos, para exercer certas ocupações ou para selecionar os que
prosseguirão os estudos. Dirigentes educacionais usam resultados da avaliação
somativa para tornar as escolas que recebem subsídios governamentais
responsáveis pela qualidade do trabalho desenvolvido (OECD, 2005, p. 21).
Segundo SADLER, o que diferencia a avaliação somativa da formativa é o
propósito e o efeito, e não o momento da sua realização.
Mas a avaliação cumpre, também, função formativa, pela qual
os professores analisam, de maneira freqüente e interativa, o progresso dos
alunos, para identificar o que eles aprenderam e o que ainda não aprenderam,
para que venham a aprender, e para que reorganizem o trabalho pedagógico. Essa
avaliação requer que se considerem as diferenças dos alunos, se adapte o
trabalho às necessidades de cada um e se dê tratamento adequado aos seus
resultados. Isso significa levar em conta não apenas os critérios de avaliação,
mas, também, tomar o aluno como referência. A análise do seu progresso
considera aspectos tais como: o esforço por ele despendido, o contexto
particular do seu trabalho e as aprendizagens adquiridas ao longo do tempo.
Conseqüentemente, o julgamento da sua produção e o feedback que lhe será
oferecido levarão em conta o processo de aprendizagem por ele desenvolvido, e
não apenas os critérios de avaliação. As circunstâncias individuais devem ser
observadas se a avaliação pretende contribuir para o desenvolvimento da
aprendizagem e para o encorajamento do aluno. A avaliação formativa seria
desencorajadora para muitos alunos que enfrentam fracasso se fosse baseada
exclusivamente em
critérios. A combinação da avaliação baseada em critérios com
a consideração das condições do aluno fornece informações importantes e é
consistente com a idéia de que a avaliação formativa é parte essencial do
trabalho pedagógico. A identificação de problemas ou dificuldades que os alunos
possam ter pode ser feita somente por meio dessa combinação de informações
(HARLEN; JAMES, 1997, p. 370).
Pesquisa desenvolvida recentemente pelo Centre for
Educational Research and Innovation, da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OECD,1 analisou práticas de avaliação formativa em
escolas secundárias de oito países: Austrália, Canadá, Dinamarca, Inglaterra,
Finlândia, Itália, Nova Zelândia e Escócia. De acordo com o relatório da
pesquisa, a avaliação formativa tornou-se um tema promissor em educação (OECD,
p. 5). Por esse motivo, a pesquisa focalizou o trabalho de sala de aula com
vistas a identificar o conceito de avaliação formativa nas escolas
investigadas, identificar e analisar as suas práticas nos diferentes países e
sugerir meios pelos quais as políticas possam apoiar a ampliação dessas
práticas.
O relatório aponta que, por meio da avaliação formativa,
pode-se atingir os objetivos da aprendizagem permanente, quais sejam: a
promoção de desempenho de alto nível; a adoção de tratamento equânime dos resultados
da avaliação dos alunos; a construção de habilidades para o aprender a
aprender. Cabe esclarecer que, no contexto brasileiro, entende-se por
tratamento equânime desses resultados a necessidade de planejar o que será
feito com eles, para que não se mantenha o caráter classificatório, que costuma
penalizar os que apresentam desempenho mais fraco e os menos favorecidos
economicamente. Como já foi mencionado, a avaliação está a serviço da
aprendizagem.
Segundo o mesmo relatório, a avaliação formativa contribui
para que os alunos aprendam a aprender, porque os ajuda a desenvolver as
estratégias necessárias; coloca ênfase no processo de ensino e aprendizagem,
tornando os alunos participantes desse processo; possibilita a construção de
habilidades de auto-avaliação e avaliação por colegas; ajuda os alunos a
compreenderem sua própria aprendizagem. Alunos que constroem ativamente sua
compreensão sobre novos conceitos (e não meramente absorvem informações)
desenvolvem estratégias que os capacitam a situar novas idéias em contexto mais
amplo, têm a oportunidade de julgar a qualidade do seu próprio trabalho e do
trabalho dos colegas, a partir de objetivos de aprendizagem bem definidos e
critérios adequados de avaliação, e estão, ao mesmo tempo, construindo capacidades
que facilitarão sua aprendizagem ao longo da vida.
Contudo, os estudos mencionados revelam uma barreira à
prática ampla da avaliação formativa nos países participantes da pesquisa: a
falta de conexão entre a avaliação realizada pela escola e a conduzida por
sistemas de ensino. Informações coletadas em salas de aula nem sempre são
consideradas para a formulação de políticas educacionais. Em muitos países,
resultados da avaliação somativa têm dominado os debates políticos acerca da
educação. Escolas que têm apresentado resultados insatisfatórios em exames
nacionais têm sofrido conseqüências, como a ameaça de fechamento, a exigência
de reorganização do seu trabalho e a demissão de professores.
Um dos interesses particulares da pesquisa conduzida pela OECD
é o exame de como professores e dirigentes educacionais podem criar ou
fortalecer culturas de avaliação, de modo que eles usem informações sobre o
desempenho dos alunos para gerar novos conhecimentos a partir do que tem dado
bons resultados, partilhar as descobertas com colegas e construir sua
capacidade de atender as necessidades de aprendizagem de seus alunos. Por
cultura de avaliação o relatório entende a adoção de linguagem comum sobre os
objetivos da aprendizagem e do ensino, assim como a compreensão comum dos
propósitos da avaliação para atingir esses objetivos (OECD, 2005, p. 25).
Os professores, de modo geral, enfrentam dificuldades e
pressões para a realização do seu trabalho diário. Apoio e oportunidades para
enfrentar desafios, como o da avaliação formativa, são necessários. O mínimo de
que precisam para mudar sua prática é o apoio de colegas e dirigentes
escolares. Verdadeiras transformações no desenvolvimento do trabalho
pedagógico, incluída a avaliação, requerem forte liderança institucional,
sérios investimentos em formação e desenvolvimento profissional e em programas
inovadores, assim como incentivos políticos apropriados (OECD, 2005, p. 31). A
pesquisa nos oito países indicou que as políticas que podem contribuir para o
desenvolvimento da avaliação formativa incluem: legislação que a apóie e a
defina como prioridade; esforços para encorajar o uso de dados somativos para
propósitos formativos na escola e na sala de aula; diretrizes sobre ensino e
práticas de avaliação formativa incluídas no currículo e em outros
dispositivos; oferecimento de meios que apóiem a avaliação formativa;
investimento em iniciativas especiais e programas inovadores que incorporem a
avaliação formativa; investimento no desenvolvimento profissional do professor.
Cabe salientar o caso da Finlândia, onde se considera ser
mais importante o desenvolvimento da escola do que estabelecer comparação entre
escolas e entre alunos. Nesse país, os resultados e o processo da avaliação são
importantes. Em 1993, o Conselho Nacional de Educação da Finlândia lançou um
projeto para desenvolver práticas de auto-avaliação pela escola. Esse projeto
foi considerado o início do reconhecimento da auto-avaliação como o conceito
nuclear do sistema educacional finlandês (OECD, 2005, p. 34). Esse é um exemplo
de um dispositivo legal apoiando o uso da avaliação formativa na escola. Se
esta é incentivada a se auto-avaliar, certamente, em sala de aula, os alunos
avaliarão o seu próprio progresso.
Outro exemplo que merece destaque é a iniciativa de Newfoundland
e Labrador, no Canadá, onde o Departamento de Educação divulga um conjunto de
diretrizes e critérios (rubrics) a serem considerados para a avaliação em
alfabetização infantil. Essas diretrizes especificam o que será avaliado e com
que qualidade, possibilitando uma análise segura por professores e alunos. Além
disso, elas ajudam os professores a refletir sobre os objetivos da aprendizagem
e os critérios de avaliação (OECD, 2005, p. 38).
Nas escolas brasileiras, encontram-se esforços no sentido
de uso da avaliação formativa com mais freqüência na educação infantil e nos
anos iniciais da educação fundamental, quando um só professor atua junto ao
aluno durante toda a jornada diária. Percebe-se, no entanto, que as iniciativas
existentes ainda são desarticuladas, nas escolas e nos sistemas de ensino.
Constituem, geralmente, projetos especiais, em lugar de ações integradas. Há
escolas que afirmam praticar a avaliação formativa porque eliminaram notas, mas
mantêm aulas de recuperação até para crianças da educação infantil e ameaçam
castigar os alunos que não fazem os deveres de casa. Talvez isso se dê porque
os professores, em grande parte, ainda se formam passando por práticas
avaliativas tradicionais (centradas em notas e em aprovação e reprovação).
A avaliação formativa, no seu verdadeiro sentido, ainda é
um desafio a enfrentar.
Avaliação formativa: aliada do aluno e do professor
Em seu trabalho publicado em 1996, BLACK e DYLAN (1998, p.
53) informam que a expressão “avaliação formativa” não era comum na literatura
sobre avaliação (eles se referiam à literatura produzida na Europa, nos países
escandinavos, na Austrália e nos Estados Unidos), naquela época. Depois de
quase 10 anos, a situação parece ter se alterado. No Brasil, o que se denomina
de avaliação mediadora, emancipatória, dialógica, fundamentada, cidadã, pode
ser entendido como avaliação formativa.
A avaliação formativa é a que engloba todas as atividades
desenvolvidas pelos professores e seus alunos, com o intuito de fornecer
informações a serem usadas como feedback para reorganizar o trabalho pedagógico
(BLACK; DYLAN, 1998, p. 7). Esses autores, assim como SADLER (1989, p. 120),
entendem que o feedback é o elemento-chave na avaliação formativa. Diz respeito
à informação, ao próprio aluno, de quão bem sucedido ele foi no desenvolvimento
do seu trabalho. Alerta Sadler que poucas habilidades físicas, intelectuais e
sociais podem ser desenvolvidas satisfatoriamente simplesmente falando ao aluno
sobre elas. A maioria requer prática em ambiente apoiador, que favoreça o
entrelaçamento de feedbacks. O professor é quem sabe o que os alunos precisam
aprender; é ele quem é capaz de reconhecer e descrever o desempenho desejável,
assim como indicar como o desempenho ainda incipiente pode ser melhorado.
O feedback pode ser definido, também, em relação ao seu
efeito, em lugar de referir-se às informações que fornece, como concebe RAMAPRASAD
(apud SADLER, 1989, p. 120): “feedback é informação sobre a distância entre o
nível atual e o nível de referência de um parâmetro sistêmico usado para
alterar essa distância de alguma forma”. O feedback atende ao professor e ao
aluno. O primeiro o usa para decisões programáticas sobre prontidão, diagnose e
recuperação. O segundo o usa para acompanhar as potencialidades e fraquezas do
seu desempenho, para que aspectos associados a sucesso e alta qualidade possam
ser reconhecidos e reforçados, assim como os aspectos insatisfatórios possam
ser modificados ou melhorados.
Sadler salienta que a importância da contribuição de
Ramaprasad reside no fato de ele entender que a informação sobre a distância
entre o nível atual e o de referência só pode ser considerada feedback se for
usada para alterar essa distância. Se a informação for simplesmente registrada,
entregue a pessoas não envolvidas diretamente com a situação ou que não têm o
poder de modificá-la, ou apresentada de forma tão codificada que impeça a
execução da ação apropriada, os dados obtidos tornar-se-ão inúteis para um
feedback efetivo. Assim sendo, no contexto da avaliação formativa, o feedback
não tem o objetivo de “melhorar” a nota ou a menção. A nota pode ser
contraprodutiva para propósitos formativos, diz SADLER (1989, p. 121). O
compromisso do feedback é, pois, com a aprendizagem do aluno, e não com notas.
A avaliação da qualidade do trabalho ou do desempenho do
aluno requer que o professor possua concepção de qualidade apropriada à tarefa
e seja capaz de julgar de acordo com essa concepção. O aluno, por sua vez,
precisa ter concepção de qualidade similar à do professor, ser capaz de
monitorar continuamente a qualidade do que está sendo produzido durante o
próprio ato de produção e ter repertório de encaminhamentos ou estratégias aos
quais possa recorrer. Isso significa que ele tem de ser capaz de julgar a
qualidade da sua produção e de regular2 o que está fazendo enquanto o faz.
É necessário que o aluno: a) conheça o que se espera dele
(objetivos da aprendizagem); b) seja capaz de comparar o seu nível atual de
desempenho com o esperado; c) se engaje na ação apropriada que leve ao
fechamento da distância entre os níveis. Essas condições são satisfeitas
simultaneamente; não são etapas a serem vencidas isoladamente (SADLER, 1989, p.
121). O autor citado explica a diferença entre feedback e auto-monitoramento.
Se o próprio aluno gera a informação necessária ao prosseguimento da sua
aprendizagem, esse procedimento é parte do auto-monitoramento. Se a fonte de
informação lhe é externa, ela é associada a feedback. Em ambos os casos,
busca-se a eliminação da distância entre os níveis de desempenho atual e o de
referência. A avaliação formativa inclui o feedback e o auto-monitoramento.
Cabe salientar que o objetivo do trabalho pedagógico é facilitar a transição do
feedback para o auto-monitoramento. Esse é o processo de desenvolvimento da
autonomia intelectual do aluno, em todos os contextos educacionais,
especialmente os dedicados à formação de professores.
Avaliação é aprendizagem: como entender a avaliação
formativa na formação de professores?
SADLER (1989, p. 142) nos ensina que, para que os alunos
aprendam, precisam saber como estão progredindo. O feedback geralmente é
entendido como informação dada ao aluno sobre o desenvolvimento do seu
trabalho: se atende aos objetivos, se houve avanços, que aspectos precisam ser
melhorados etc. Em quase todas as situações educacionais, o trabalho dos alunos
não pode ser avaliado simplesmente como correto ou incorreto. A qualidade do
trabalho é determinada por julgamento qualitativo. Nesse caso, a definição
tradicional de feedback é insuficiente. São necessárias as condições apontadas
anteriormente, por parte do aluno.
A melhoria do trabalho do aluno é alcançada se o professor
lhe oferece orientação e se o primeiro a segue. Mas isso pode fazer com que o
aluno fique dependente da orientação do professor. Surge, então, a proposta de
Sadler no sentido de que os alunos desenvolvam habilidades para avaliar a
qualidade do seu próprio trabalho, durante a sua realização. A transição do
feedback professor-aluno para o auto-monitoramento pelo aluno não acontece
automaticamente. O desenvolvimento da capacidade de avaliação do próprio
trabalho faz parte das aprendizagens a serem adquiridas. A vivência de práticas
avaliativas assim concebidas é condição necessária para o desenvolvimento da
capacidade avaliativa e, conseqüentemente, para o auto-monitoramento
inteligente. É insuficiente para o aluno restringir-se ao julgamento do
professor.
O desenvolvimento da avaliação formativa requer que o
processo de transição do feedback professor-aluno para o auto-monitoramento
pelo aluno seja construído pelo professor e pelo aluno. Três componentes da
avaliação formativa merecem atenção especial em cursos de formação de
professores: a avaliação informal, a avaliação por colegas e a auto-avaliação.
Refiro-me especificamente a “cursos de formação de professores”, pelo fato de
eles constituírem momentos privilegiados de aprofundamento teórico,
sistematização de idéias e realização de pesquisas. A avaliação informal é
destacada no presente contexto por dois motivos. O primeiro leva em conta os
dados reveladores da internalização da exclusão. Um desses dados lhe diz
respeito mais diretamente: a rejeição sentida por parte considerável de alunos
da 4ª série da educação fundamental, o que pode resultar da sua utilização
inadequada. Essa avaliação se realiza por meio da interação do aluno com
professores, demais educadores que atuam na escola e até mesmo com colegas, em
todos os momentos e espaços escolares. Na educação infantil e nos anos iniciais
da educação fundamental, essa modalidade de avaliação é freqüente, por causa do
contato longo e duradouro do professor com seus alunos, dando-lhe chances de
conhecer mais amplamente cada um deles: suas necessidades, seus interesses,
suas capacidades. Quando um aluno mostra ao professor como está realizando uma
tarefa ou lhe pede ajuda, a interação que ocorre nesse momento é uma prática
avaliativa, isto é, o professor tem a oportunidade de acompanhar e conhecer o
que ele já aprendeu e o que ainda não aprendeu. Quando circula pela sala de aula
observando os alunos trabalharem, o professor também está analisando, isto é,
avaliando o trabalho de cada um. São momentos valiosos para avaliação.
A diferença entre a avaliação informal e a formal é que a
informal nem sempre é prevista e, conseqüentemente, os avaliados, no caso os
alunos, não sabem que estão sendo avaliados. Por isso deve ser conduzida com
ética. Precisamos nos lembrar sempre de que o aluno se expõe muito ao
professor, ao manifestar suas capacidades e fragilidades e seus sentimentos. Cabe
à avaliação ajudá-lo a se desenvolver, a avançar, não devendo expô-lo a
situações embaraçosas ou ridículas. A avaliação serve para encorajar, e não
para desencorajar o aluno. Por isso, rótulos e apelidos que o desvalorizem ou
humilhem não são aceitáveis. Gestos e olhares encorajadores por parte do
professor são bem-vindos. Afinal de contas, a interação do professor com os
alunos é constante e muito natural. Uma piscadinha de olho de forma acolhedora
e amiga, indicando que o aluno está no caminho adequado, lhe dá ânimo.
A avaliação informal dá grande flexibilidade de julgamento
ao professor, devendo ser praticada com responsabilidade. Um dos exemplos disso
é o costumeiro “arredondamento de notas”, que consiste em o professor
aumentá-las ou diminuí-las segundo critérios por ele definidos e nem sempre
explicitados. Além disso, esses critérios costumam ser diferentes para cada
aluno. Esse arredondamento é feito com base nessa modalidade de avaliação.
Quando é feito para aumentar a nota, os argumentos usados costumam ser: o aluno
é organizado, freqüente, bonzinho, faz os deveres de casa. Por outro lado, o
arredondamento é feito, também, para diminuir a nota, usando-se justificativas
do seguinte tipo: o aluno é desobediente, conversador, não faz as atividades, chega
atrasado, é preguiçoso. São argumentos advindos da avaliação informal. É
preciso deixar claro que a avaliação informal é muito importante e pode ser uma
grande aliada do aluno e do professor, se for empregada adequadamente, isto é,
para promover a aprendizagem. Um argumento em seu favor é que ela acontece em
ambiente natural e revela situações nem sempre previstas, o que pode ser
altamente positivo, se soubermos tirar proveito dela e se não a usarmos de
forma punitiva. O professor atento, interessado na aprendizagem do seu aluno e
investigador da realidade pedagógica procurará usar todas as informações
advindas da informalidade para cruzá-las com os resultados da avaliação formal
e, assim, compor a sua compreensão sobre o desenvolvimento de cada aluno.
A avaliação informal pode acontecer quando o professor: dá
ao aluno a orientação de que necessita, no momento exato; manifesta paciência,
respeito e carinho ao atender suas dúvidas; providencia os materiais
necessários à aprendizagem; demonstra interesse pela aprendizagem de cada um;
atende a todos com a mesma cortesia e interesse, sem demonstrar preferência;
elogia o alcance dos objetivos da aprendizagem; não penaliza o aluno pelas
aprendizagens ainda não adquiridas, mas, ao contrário, usa essas situações para
dar-lhe mais atenção, para que ele realmente aprenda; não usa rótulos nem
apelidos que humilhem ou desprezem os alunos; não comenta em voz alta suas
dificuldades ou fraquezas; não faz comparações; não usa gestos nem olhares de
desagrado com relação à aprendizagem.
A avaliação formal (provas, relatórios, exercícios
diversos, produção de textos etc.) costuma ocupar muito menos tempo do trabalho
escolar do que a avaliação informal. No entanto, observa-se que a disciplina
“Didática”, a que se ocupa de conteúdos de avaliação nos cursos de formação de
professores, em nível médio e universitário, costuma dar ênfase à construção de
“instrumentos de verificação do rendimento escolar” (VILLAS BOAS, 2000). Livros
de Didática geralmente apresentam o tema “avaliação escolar” em capítulo
próprio e como um dos últimos que compõem a obra. Esse é comumente o tratamento
recebido pela avaliação em livros e programas de ensino: o último ou um dos
últimos itens. Na maioria das vezes, o último tema de uma disciplina ou curso não
chega a ser discutido ou o é de maneira abreviada, por falta de tempo.
Recentemente, uma aluna do Curso de Pedagogia da UnB, que concluiu o Curso de
Magistério, relatou que, neste último, nada estudou sobre avaliação, pois “não
deu tempo”. E foi considerada habilitada a trabalhar na educação infantil e nos
anos iniciais da educação fundamental! Outra constatação foi a de que, em um
determinado ano, o tema estava sendo trabalhado, em algumas Escolas Normais
do DF, por estagiários do Curso de Pedagogia, em uma única aula, sem a presença
do professor titular da disciplina Didática. Esse fato indica a falta de
compreensão do papel e das conseqüências da avaliação.
Pesquisas têm encontrado uma faceta inaceitável da
avaliação informal: a emissão de comentários públicos sobre a pessoa do aluno,
por parte de professores, em sala de aula e em outros espaços escolares, assim
como a extensão desse tipo de avaliação às famílias dos alunos (VILLAS BOAS,
1993). Em uma situação de pesquisa, observou-se, em uma segunda-feira, a
professora de uma turma de primeira série do ensino fundamental dizer a um
aluno que não havia realizado as tarefas de casa: “sua mãe não fica em casa nem
nos finais de semana para ajudá-lo?” (VILLAS BOAS, 1993).
Tratando da avaliação informal, FREITAS (2002, p. 315)
comenta que
Professores e alunos
defrontam-se na sala de aula construindo representações uns dos outros. Tais
representações e juízos orientam novas percepções, traçam possibilidades,
estimam desenlaces, abrem ou fecham portas e, do lado do professor, afetam o
próprio envolvimento deste com os alunos, terminando por interferir positiva ou
negativamente com as estratégias de ensino postas em marcha na sala de aula. É
aqui que se joga o sucesso ou o fracasso do aluno – nesse plano informal e não
no plano formal. De fato, quando o aluno é reprovado pela nota, no plano
formal, ele já tinha sido, antes, reprovado no plano informal, no nível dos
juízos de valor e das representações do professor – durante o próprio processo.
A presença forte e, às vezes, tão decisiva da avaliação
informal não costuma ser conhecida dos alunos, porque, como diz ENGUITA (1989,
p. 203),
...na escola
aprende-se a estar constantemente preparado para ser medido, classificado e
rotulado; a aceitar que todas as nossas ações e omissões sejam suscetíveis de
serem incorporadas a nosso registro pessoal; a aceitar ser objeto de avaliação
e inclusive desejá-lo. O agente principal desse processo de avaliação é o
professor...
O segundo motivo que provocou a inclusão da avaliação
informal neste texto, que articula a avaliação formativa à formação de
professores, é o fato de essa modalidade de avaliação, quando desenvolvida de
forma a constranger e humilhar os alunos, poder contribuir para que eles façam
o mesmo com seus colegas, na escola, em casa e em outros lugares. Esse fato
recebe o nome de “bullying” e está preocupando educadores em todo o mundo. Na
Inglaterra, a situação parece ser pior, mas a sociedade já começou a reagir.
Bullying é o ato covarde de crianças molestarem, ameaçarem e humilharem
colegas. Assume formas diversas: violência física; ataques verbais; rótulos;
ameaças e intimidação; extorsão ou roubo de dinheiro ou de objetos; rejeição
pelo grupo. Esse ato acontece com alguma criança a cada sete minutos em parques
de diversão no Canadá. A todo momento, crianças estão presenciando situações
desse tipo. Professores e pais nem sempre percebem as suas conseqüências
(www.bullying.org, 2005).
O que é preocupante em relação ao bullying é que a
bibliografia sobre o assunto não o associa ao tratamento recebido pelo aluno na
escola. Já existem manuais de informação a pais e professores. Contudo, não se
menciona o fato de o bullying poder ser decorrência da avaliação informal a que
o aluno e seus colegas se submetem. Os alunos são expostos a situações de
avaliação a todo instante na escola. Por isso é tão comum a reprodução das
experiências escolares em outros contextos. Crianças gostam de “dar aula” para
seus amigos, e até para brinquedos, usando o mesmo tratamento que seu professor
ou sua professora dá não só a elas, mas à turma toda. A inspiração para o
bullying não pode vir da avaliação informal?
Percebe-se, assim, o poder que a avaliação confere ao
professor, que pode decidir a trajetória escolar do aluno, por meio da aprovação
e da reprovação. Para romper com esse processo unilateral e autoritário e para
oportunizar ao aluno aprender a avaliar, o professor pode lançar mão de dois
componentes da avaliação formativa: da avaliação por colegas e da
auto-avaliação.
A avaliação por colegas (da mesma disciplina ou da mesma
turma, por estarem desenvolvendo as mesmas atividades) é um componente
importante do processo avaliativo e pode ser o primeiro passo para a
auto-avaliação. Enquanto analisam e corrigem suas próprias produções, os alunos
podem fazer o mesmo com as dos colegas. Sabendo que suas atividades serão
apreciadas por colegas, eles as prepararão com mais cuidado e, possivelmente,
com mais prazer. As tarefas diversas podem ser avaliadas em duplas de alunos e,
posteriormente, em grupos de três ou quatro, sempre tendo o acompanhamento do
professor. Essa ajuda mútua tem a vantagem de ser conduzida por meio da
linguagem que os alunos naturalmente usam. Além disso, os alunos costumam
aceitar mais facilmente os comentários de colegas do que os de seus
professores.
Se for possível, os próprios alunos podem criar listas de
discussão, blogs e outros meios, por Internet, para envio de material para
análise por colegas.
O feedback advindo de um grupo de colegas pode ser mais bem
aceito do que o individual. Esse tipo de avaliação permite a participação dos
alunos e aumenta a comunicação entre eles e o professor, sobre sua
aprendizagem. Ao possibilitar aos alunos reconhecerem suas próprias
necessidades, comunicando-as ao professor, este tem o seu trabalho facilitado e
tempo maior para auxiliar os alunos que precisam de sua atenção. Enquanto os
alunos estão ocupados, envolvidos na avaliação das produções dos colegas, o
professor pode dedicar-se a observar o desenvolvimento das atividades, refletir
sobre elas e fornecer as intervenções necessárias. Em resumo, os alunos
aprendem assumindo o papel de professores e de avaliadores das aprendizagens
dos colegas (BLACK et al., 2003, p. 51).
Enquanto avaliam as atividades de colegas, os alunos aprendem
a avaliar seu próprio trabalho. DUNCAN HARRIS e COLLIN BELL, citados por WEEDEN
et alii (2002, p. 75), entendem a auto-avaliação como um continuum do
controle pelo professor ao controle pelo aluno. Esse continuum significa
que a responsabilidade crescente pela sua aprendizagem é imputada ao aluno.
Parte-se da avaliação tradicional para a colaborativa (professor e aluno), e da
avaliação por colegas para a auto-avaliação.
A auto-avaliação é um componente importante da avaliação
formativa. Refere-se ao processo pelo qual o próprio aluno analisa
continuamente as atividades desenvolvidas e em desenvolvimento, registra suas
percepções e sentimentos e identifica futuras ações, para que haja avanço na
aprendizagem. Essa análise leva em conta: o que ele já aprendeu, o que ainda
não aprendeu, os aspectos facilitadores e os dificultadores do seu trabalho,
tomando como referência os objetivos da aprendizagem e os critérios de
avaliação. Dessa análise realizada por ele, novos objetivos podem emergir. A
auto-avaliação não visa à atribuição de notas ou menções pelo aluno; tem o
sentido emancipatório de possibilitar-lhe refletir continuamente sobre o
processo da sua aprendizagem e desenvolver a capacidade de registrar suas
percepções. Cabe ao professor incentivar a prática da auto-avaliação pelos
alunos, continuamente, e não apenas nos momentos por ele estabelecidos, e usar
as informações fornecidas para reorganizar o trabalho pedagógico, sem
penalizá-los.
WEEDEN et alii (2002, p. 72) entendem que a
auto-avaliação é mais ligada à avaliação para a aprendizagem do que à avaliação
da aprendizagem, pelo fato de buscar-se o desenvolvimento da aprendizagem. Ela
inclui a formulação de julgamentos do mérito do trabalho, pelo aluno, o que
usualmente tem sido tarefa do professor. A valorização do que os alunos pensam
sobre a qualidade do seu trabalho constitui um desafio à ordem estabelecida e à
rotina escolar. Esses autores afirmam que o ponto de partida para a adoção da
auto-avaliação consiste em definir o papel do professor e o do aluno. DAVID
SATTERLY, citado por WEEDEN et alii (2002, p. 74), considera que há
aspectos do trabalho dos alunos que o professor espera que eles conheçam melhor
do que ele: o quanto trabalharam; o que eles estão tentando alcançar; até que
ponto eles entendem o que alcançaram; como o trabalho se relaciona aos seus
objetivos pessoais. Contudo, provavelmente, no início os alunos não conheçam,
tanto quanto o professor, as expectativas curriculares e os critérios de
avaliação. Isso parece indicar a necessidade de parceria na avaliação, para que
cada participante contribua com informações que, reunidas, permitam retratar as
aprendizagens.
Assim como acontece com a avaliação informal, o uso das
informações fornecidas pela auto-avaliação é feito com ética, o que significa
que elas só podem servir aos propósitos que são do conhecimento dos alunos.
Além disso, o professor precisa ter muita sensibilidade para distinguir as que
podem e as que não podem ser comentadas publicamente. A avaliação é um ato
ético por excelência.
A auto-avaliação é uma aliada do aluno, por
possibilitar-lhe refletir sobre o seu progresso e participar da tomada de
decisão sobre as futuras atividades; ao mesmo tempo, é aliada do professor, por
permitir-lhe conhecer com mais profundidade o que o aluno pensa sobre o seu
trabalho e com ele dividir responsabilidades. Na perspectiva tradicional de
avaliação, o aluno não costuma saber que a sua aprovação ou reprovação já está
decidida antes mesmo de a avaliação formal acontecer, porque tudo costuma ser resolvido
somente pelo professor. Os critérios de avaliação nem sempre são construídos
pelo professor e pelos alunos.
Articulações finais
Neste texto argumentou-se que a preparação de professores
para a avaliação não é de responsabilidade exclusiva dos cursos destinados à
sua formação. Antes disso, como alunos, eles convivem com práticas avaliativas
diversas. O que se observa é que essa convivência não tem sido compreendida
como aprendizagem que pode vir a ser reproduzida em outros contextos, inclusive
o pedagógico, tanto de forma presencial quanto a distância. O processo
avaliativo produz conseqüências; não termina quando o curso é concluído. Como
foi ressaltado, avaliação é aprendizagem. Enquanto se avalia se aprende e
enquanto se aprende se avalia. Os professores aprendem a avaliar enquanto se
formam. O seu processo de formação é longo, tendo início quando entram na
escola como alunos. Todas as situações que presenciam e vivenciam, como alunos,
nos vários níveis do processo de escolarização, fazem parte da sua constituição
de professores e podem ser bem marcantes. Costuma-se pensar na sua formação
obtida apenas nos cursos de formação que freqüentam; contudo, estes representam
apenas uma pequena parte da sua vivência como alunos. Nesse processo inclui-se
a avaliação. Por ser um tema que tem merecido pouca atenção nos cursos de
formação, em nível médio e superior, pressupõe-se que os atuais professores
estejam reproduzindo as práticas dos seus ex-mestres. E essas práticas nem
sempre se inserem na avaliação formativa.
As informações divulgadas pelo MEC e apresentadas no início
deste texto demonstram que a educação básica brasileira vai mal e que um dos
fatores que podem contribuir para isso é a avaliação, considerada em seu
sentido mais amplo. Elas revelam a existência da internalização da exclusão,
isto é, os excluídos da escola continuam em seu interior. BOURDIEU e CHAMPAGNE
(1998, p. 222) dão a esse fato o nome de exclusão branda, por retratar práticas
insensíveis, “no duplo sentido de contínuas, graduais e imperceptíveis,
despercebidas, tanto por aqueles que as exercem como por aqueles que são suas
vítimas”. Portanto, a avaliação formativa depara-se com a situação
contraditória de buscar a inclusão de todos no processo de aprendizagem, ao
mesmo tempo em que a escola ainda convive com a exclusão, que se manifesta de
várias formas: pela reprovação, repetência, constituição de turmas especiais de
aceleração da aprendizagem e de recuperação etc.
Diante desse quadro, questionam-se as práticas usuais de
avaliação adotadas na educação básica e na superior, considerando-se que a
formação do professor perpassa esses dois níveis. Um é determinante do outro e,
ao mesmo tempo, por ele determinado. A formação dos professores para a
avaliação engloba as suas experiências como alunos nos dois níveis,
complementada pelos estudos que realizam sobre o tema, quando isso ocorre. Por
outro lado, as práticas avaliativas dos professores da educação superior, tanto
os que têm formação pedagógica quanto os que não a têm, costumam inspirar-se
nas dos seus ex-mestres.
A vivência do feedback que se transforma em
auto-monitoramento, da avaliação informal encorajadora e complementadora da
avaliação formal, da avaliação por colegas e da auto-avaliação que dá
responsabilidade ao aluno constitui componente essencial da avaliação
formativa, porque contribui para o desenvolvimento da autonomia intelectual de
alunos e professores. Com esse entendimento, a avaliação cumpre sua vocação de
contribuir para a aprendizagem duradoura.
Notas
1. Neste texto é usada a
sigla OECD e não OCDE, como é mais conhecida no Brasil, pelo fato de ter sido
utilizado livro publicado em inglês, constante das referências.
2. Segundo ALLAL e LOPEZ
(OECD, 2005, p. 245), a regulação da aprendizagem engloba o feed-back e a adaptação,
podendo assumir três formas. A primeira é a regulação interativa, que ocorre
quando a avaliação formativa se baseia em interações do aluno com os vários
componentes da aprendizagem, como o professor, os outros alunos e materiais
facilitadores da regulação propriamente dita. A integração das diferentes
formas de regulação interativa com a atividade possibilita adaptações contínuas
enquanto a aprendizagem se desenvolve. A segunda forma é a regulação
retroativa, que acontece quando a avaliação formativa se realiza após a "
fase de ensino" e permite a identificação dos objetivos alcançados ou não
por cada aluno. O feedback advindo da avaliação conduz à seleção de meios para
superação das dificuldades encontradas pelos alunos. Isso corresponde ao
entendimento de "remediação" presente na concepção inicial de
avaliação formativa por Bloom. A terceira forma de regulação, a proativa, se dá
quando diferentes fontes de informação possibilitam a preparação de atividades
pedagógicas que levem em conta as diferenças entre os alunos. Diferentemente da
segunda forma, esta centra-se na diferenciação do trabalho pedagógico e não na idéia
de remediação das dificuldades de aprendizagem; volta-se para o enriquecimento
e a consolidação das atividades.
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Recebido: 03.03.2006
Aceito: 11.06.2006
Aceito: 11.06.2006
http://www.fe.unb.br/linhascriticas/n22/AVALIACAO_FORMATIVA.htm
amei pois faz refletir nas práticas pedagógicas,nas ações professor X alunos,teoria X práticas .
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