RESENHA:
HADJI, Charles. Avaliação desmistificada. Trad. Patrícia C.
Ramos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
A avaliação torna-se formativa na medida em
que se inscreve em um projeto educativo específico, o de favorecer o
desenvolvimento daquele que aprende, deixando de lado qualquer outra
preocupação.
(HADJI,
2011, p. 20)
O livro Avaliação
Desmistificada, de Charles Hadji, possui 136 páginas e é dividido em duas
partes. A primeira, “Compreender”, possui três capítulos: Capítulo 1:
Compreender que a avaliação formativa não passa de uma “utopia promissora”;
Capítulo 2: Compreender que avaliar não é medir, mas confrontar em um processo
de negociação; e Capítulo 3: Compreender que é possível responder a três
questões pertinentes. A Segunda Parte, “Agir”, apresenta os próximos quatro capítulos,
totalizando sete capítulos ao todo: Capítulo 4: Agir desencadeando de maneira
adequada; Capítulo 5: Agir observando/interpretando de maneira pertinente; Capítulo
6: Agir, comunicando de modo útil; e, por fim, Capítulo 7: Agir remediando de
modo eficaz. Como todo livro, há uma introdução que precede e uma conclusão que
segue os sete capítulos principais.
Na Introdução, intitulada “Da utopia à
realidade: seria finalmente possível passar à ação?”, Hadji discute a
possibilidade de uma avaliação que seja “capaz de compreender tanto a situação
do aluno quanto de “medir” seu desempenho; capaz de fornecer-lhe indicações
esclarecedoras, mais do que oprimi-lo com recriminações; capaz de preparar a
operacionalização das ferramentas do êxito, mais do que resignar a ser apenas
um termômetro (até mesmo um instrumento) do fracasso” (HADJI, 2001, p. 9)
seriam meios de uma pedagogia, enfim, eficaz. A avaliação serviria, portanto
para levar o aluno à compreensão de seus erros e não mais cometê-los, e
progredir, ao invés de ser tida como “perda de tempo” ou “peso desnecessário”.
É nessa direção que se fala em evolução na questão da avaliação e que Hadji
propõe nessa introdução a discutir em sua obra.
No Capítulo 1, intitulado Compreender que a avaliação formativa não passa
de uma ‘utopia promissora’, Hadji declara que a questão da avaliação é
multidimensional, ou seja, pode ser compreendida de diversos meios, sendo que,
nessa obra, a mesma será abordada sob o ângulo das convicções já sedimentadas a
seu respeito. De tal modo, será avaliada sob dois tipos de considerações:
examinando os fatos e a essência das atividades envolvidas. Para Hadji “aqueles
que acreditam na necessidade de uma avaliação formativa afirmam a pertinência
do princípio segundo o qual uma prática – avaliar – deve tornar-se auxiliar de
outra – aprender” (HADJI, 2011, p. 15). Segundo Hadji, é desejável que a
avaliação, em um contexto de ensino, tenha por objetivo contribuir para a
construção de saberes e competências pelos alunos e segue buscando definir o
que é “avaliação formativa”. Destaca, pois, as noções de avaliações implícita,
espontânea e instituída. Os exames escolares encaixam-se nesse perfil de
avaliação instituída em detrimento, por exemplo, das avaliações espontâneas
(que não repousam sobre nenhuma instrumentalização específica). Na sequência,
traz os conceitos de avaliação de referência normativa (que impõem normas,
socialmente organizada, anunciada e executada) e avaliação de referência
criteriada (que aprecia um comportamento, um critério ou alvo a ser atingido).
Segue definindo o que é avaliação prognóstica, formativa e cumulativa e a
avaliação formativa como utopia promissora. A avaliação prognóstica , ou
diagnóstica precede a ação de formação e identifica certas características do
aprendiz e faz um balanço, mais ou menos aprofundado, de seus pontos fortes e
fracos (HADJI, 2011, p. 19). A avaliação formativa tem esse nome, pois tem por
função “contribuir para uma boa regulação da atividade de ensino (ou de
formação, no sentido amplo)” (HADJI, 2011, p. 19). A avaliação cumulativa, por
sua vez, tem por função “verificar se as aquisições visadas pela formação foram
feitas” (HADJI, 2011, p. 19). Para o autor, uma avaliação que não seja seguida
por modificações ou intervenções por parte do educador não pode ser considerada
formativa! Hadji fecha esse capítulo refletindo sobre os obstáculos à
emergência de uma avaliação formativa. Entre os quais há a existência de
representações inibidoras, como é o caso da exigência de certificação de
seleção ou mesmo a preguiça ou medo dos professores, que não ousam remediar ou
intervir de modo eficaz em sua prática pedagógica. Portanto, a avaliação
formativa não é mais do que “uma utopia promissora, capaz de orientar o
trabalho dos professores no sentido de uma prática avaliativa colocada, tanto
quanto seja possível, a serviço das aprendizagens” (HADJI, 2011, p. 25).
No segundo capítulo intitulado Compreender que avaliar não é medir, mas
confrontar em um processo de negociação, o autor destaca que a avaliação
não é uma medida. Medida sendo compreendida como uma operação de descrição
quantitativa da realidade. No entanto, pesquisas realizadas de resultados
obtidos nos exames baccalauréat na
França demonstram que a aprovação de candidatos está também submetida “ao acaso
da atribuição a uma banca” (HADJI, 2011, p. 30). De tal sorte, o ponto de vista
de que o exame é “uma ciência exata” é completamente rechaçado, pois dependerá,
reiteramos, de critérios “subjetivos” definidos pelos diferentes examinadores
em questão. Portanto, “as variações de notas, para um mesmo produto, de um
examinador a outro, vão bem além do que seria apenas uma incerteza normal
devido às condições ‘locais’ da tomada de medida” (HADJI, 2011, p. 30). Para
reforçar a questão, o autor cita exemplos de alunos que obtiveram notas
péssimas em exames escolares, mas que em concursos nacionais foram premiados
com o primeiro lugar na mesma área! Nessa direção, é necessário corrigir os
defeitos do instrumento de avaliação. Isso pode ser feito refletindo-se sobre a
subjetividade do corretor. Isso implica pensar, por exemplo, nas diferentes
representações que o professor tem do aluno ou mesmo da história escolar na
qual está inserido. Portanto, o julgamento professoral não se desvincula da
prática sociohistórica e ideológica, reiteramos, na qual se insere: “fica claro
que é inútil insistir em tomar a avaliação tão objetiva quanto uma medida”
(HADJI, 2011, p. 32) em virtude dessa inseparável relação avaliação/contexto
histórico. Ademais, é necessário indagar sobre a exata natureza da relação
avaliação/avaliado, isto é, precisar com exatidão o que é avaliado. Sendo assim, se a avaliação não é uma medida, o
que seria então? Para Hadji, a avaliação é um ato que se inscreve em um
processo geral de comunicação/negociação. Em outros termos, a avaliação consiste
em uma negociação, uma troca entre avaliador e avaliado. Nessa troca, é
necessário destacar que o aluno sofre interferências do contexto também, sendo
que seu desempenho será condicionado, em certa medida, a tais circunstâncias. O
exame é, pois, o resultado de uma interação cujo desempenho alcançado pelo
“aluno” depende das circunstâncias envolvidas no ato. Esse ato é um processo
complexo, pois apresenta inúmeras variáveis ligadas às condições sociais.
Assim, do mesmo modo que o efeito de categorização é válido para o aluno, ele
também vale para o examinador (i.e, a percepção que o examinador tem do
desempenho é igualmente dependente do contexto social). É diante desse
entendimento que se compreende que a avaliação escolar traduz arranjos em uma
dinâmica de negociação: “esses arranjos são o resultado de uma negociação,
implícita ou explícita, entre um professor que quer manter sua turma, e alunos
que querem alcançar seu objetivo” (HADJI, 2011, p. 39). Fica evidente até aqui
que a avaliação não é um instrumento de objetividade, mas “um ato de confronto
entre uma situação real e expectativas referentes a essa situação” (HADJI,
2011, p. 41). Assim, a avaliação é uma operação de leitura da realidade –
constrói sentidos diante do objeto; é também orientada e que aponta em que medida o desempenho do aluno é
ou não adequado e por fim, a avaliação é também uma leitura orientada por uma
grade que expressa um sistema de expectativas julgadas legítimas.
O capítulo 3, último da primeira parte do
livro, intitula-se Compreender que é
possível responder a três questões pertinentes. Neste, Hadji trata de três
hipóteses sobre esse processo: a primeira, em que a avaliação é concebida como
um ato sincrético essencialmente baseado na intuição do avaliador; a segunda
concerne ao fato de que a avaliação é um ato que tem mais a função de explicar
do que de descrever; e a terceira em que a avaliar é fazer agir a
descontinuidade dos valores, e não a continuidade das cifras. Hadji destaca que
no Canadá ainda se associam medida e avaliação, ou seja, ambas são tratadas
como vizinhas. Para o autor, avaliação equipara-se a julgamento; é, pois, um
julgamento de valor: “Se avaliar significa atribuir uma qualidade, se há tanto
a explicar quanto a descrever, o verdadeiro problema para o avaliador é
interpretar o real sobre o qual deve pronunciar-se. Não simplesmente
estabelecer uma constatação – o que corresponderia, por exemplo, à ‘medida’ de
um desempenho – mas dar conta do que foi observado no âmbito de um ‘sistema de
observação’” (HADJI, 2011, p. 61). O autor também pontua a diferença entre
prova e avaliação. A prova está ligada ao conformar-se a um modelo de
referência, a um a priori de procedimentos e normas. A avaliação, por sua vez,
deve-se adequar à realidade dos aprendizes. Hadji traz discussões bem
pertinentes também sobre o fato de a avaliação estar ligada (ou não) a
valorar/valorização de um objeto. Nesse sentido, não se pode recusar por
completo que a avaliação implica valorização e julgamento em certa medida. No
último tópico desse capítulo, o autor indaga sobre a necessidade da
continuidade de avaliação e pontua “a avaliação no sentido estrito é apenas um
auxiliar da ação pedagógica. Isso significa ao mesmo tempo que ela não passa de
um de seus componentes e que o importante para os professores-avaliadores é
ensinar, isto é, ajudar os alunos a progredirem em suas aprendizagens. É isso
que parece afirmar de modo surpreendente, ainda que implícito, a prática de
avaliação formadora” (HADJI, 2011, p. 66-67).
No capítulo quatro, intitulado Agir desencadeando de maneira adequada,
Hadji declara que construir um dispositivo de avaliação consiste em determinar
algumas condições (por exemplo se a prova será escrita ou oral) e que tal
dispositivo precisa ser mais ou menos elaborado. Segundo o autor, o dispositivo
é constituído pelo exercício de avaliação e o problema é escolher
pertinentemente os exercícios. Assim, sugere-se buscar em um banco de
instrumentos coletâneas de exercícios adequados aos professores (HADJI, 2011,
p. 78). O passo seguinte é determinar as questões que devem ser respondidas por
meio da avaliação, sendo que não há avaliação sem pergunta feita à realidade. É
esse questionamento que apontará o caminho que “formará” a avaliação. Esse questionamento deve ser orientado pelos
objetivos de ensino, pautados nos documentos oficiais e institucionais que
regem a disciplina em questão. Após a aplicação e correção, deve-se determinar
decisões que reorientem o programa de ensino e estabelecer os espaços de
observação. Os “espaços” são aqui definidos como cada objetivo operacional ou
cada competência especificada. Enfim, é necessário escolher os instrumentos de
coleta de dados. Hadji esclarece que o ideal é que o exercício cumpra uma
função ad hoc, ou seja utilizado para
fins específicos. Na sequência, na última parte deste capítulo, o autor traça
uma arquitetura sobre a tarefa de avaliação, as quais apresentam quatro
dimensões: o alvo, os critérios de realização, os critérios de êxito e as
condições de realização.
Nos últimos dois capítulos, Agir observando/interpretando de maneira
pertinente e Agir remediando de modo
eficaz Hadji trata, grosso modo, da avaliação como meio de “remediar” a
prática docente. Em nossa opinião, a tradução não é excelente. Há muitas
passagens que certamente precisariam ser revistas por outro tradutor, pois às
vezes a linguagem se mostra ambígua ou incoerente e de difícil compreensão
também, mas o conteúdo do livro é bastante profícuo e útil para aqueles que se
interessam pelo tema.
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