domingo, 9 de dezembro de 2012

Resenha de Paulo Freire - Educação e Mudança







RESENHA:

FREIRE, Paulo. (1979). Educação e Mudança. 31ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.



O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.
FREIRE, [1979] 2008, p. 28


O livro Educação e Mudança, de Paulo Freire, foi originalmente escrito em 1979, contém 79 páginas, e em sua 31ª edição foi publicado pela editora Paz e Terra. O mesmo apresenta um prefácio e quatro estudos, divididos em capítulos. O prefácio é de Moacir Gadotti. O primeiro capítulo intitula-se O compromisso do Profissional com a Sociedade. O segundo, A Educação e o Processo de Mudança Social. O terceiro, O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança e o quarto e último, Alfabetização de Adultos e Conscientização.
No prefácio, Moacir Gadotti discorre sobre a vida do referido autor. Apesar de ter sido exilado, Paulo Freire nunca deixou de ser otimista. Como declara Gadotti “Paulo Freire não é um intelectual acadêmico, distante da vida concreta, do quotidiano. É por isso [...] que sua teoria e sua práxis são tão fortes, violentas até, carregadas de um sentido existencial profundo”, (FREIRE, [1979] 2008, p. 10). Sendo assim, Freire não desvincula a teoria da prática; são, na verdade, indissolúveis em suas reflexões. Como a educação, para Freire, é um ato de conscientização, tal ação torna-se (ou pode-se tornar) libertadora e transformadora. Nesse sentido, apresenta-se como porta-voz dos oprimidos, dos excluídos, é o “pedagogo dos oprimidos” (FREIRE, [1979] 2008, p. 10). Demonstra, pois, que a temática central da obra é a mudança. A pedagogia de Freire se refere ao papel fundamental da educação (conscientização) de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais. Segundo Gadotti: “enquanto os ‘grandes debates’, os ‘seminários revolucionários’ permanecerem dentro da escola, cada vez mais isolada dos problemas reais e longe das decisões políticas, não existirá uma educação libertadora” (FREIRE, [1979] 2008, p. 12). É nessa direção que o pensamento de Freire caminha, e indaga: A escola não seria um local de dominação (em que o burguês impõe uma forma de pensar) a um grupo dominado? Ainda no prefácio, Gadotti evidencia questões de maneira crua, mas realista (é válido lembrar, sempre na esteira de Freire): “não podemos esperar que uma escola seja ‘comunitária’ numa sociedade de classes. [...] Ela não é uma ilha de pureza no interior da qual as contradições e os antagonismos de classe não penetram” (FREIRE, [1979] 2008, p. 13). Pelos apontamentos aqui bosquejados, percebemos como nesse prefácio Gadotti consegue despertar o interesse de seus interlocutores para a leitura completa da referida obra que se lhes apresenta.
Nesse sentido, o primeiro capítulo, intitulado O compromisso do Profissional com a Sociedade discorre, como o próprio nome do capítulo indica, sobre a questão do compromisso social que o profissional deve assumir. Para isso, é necessário, primeiramente, que o protagonista da educação esteja consciente de sua realidade, isto é, que seja capaz de “agir e refletir” (FREIRE, [1979] 2008, p. 16). Isso exige um exercício de “distanciamento” e concomitante “reflexão sobre” o contexto que o cerca para poder objetivá-lo e transformá-lo.  Além disso, esse compromisso deve ser realizado por um ser concreto, com existência concreta em uma situação concreta no mundo físico. Em outras palavras, utilizando a metáfora das “águas”, Freire afirma que não há como comprometer-se verdadeiramente, sem mergulhar-se, sem ficar “molhado”, “ensopado” (FREIRE, [1979] 2008, p. 19). Para Freire, até mesmo aquele que se diz “neutro”, “sem compromisso”, está, na realidade, com medo de se posicionar. Assim, oculta a verdade, ou seja, o comprometimento consigo próprio. Ademais, compromisso não é um ato passivo, inapto, mas é práxis (ação e reflexão sobre a realidade), é, também, sinônimo de solidariedade, nunca unilateral ou reduzida à “falsa generosidade”. Aquele que se compromete não pode ter uma visão ingênua da realidade, mas precisa buscar conhecê-la, compreendê-la em sua totalidade. Por fim, ainda neste primeiro capítulo, Freire evidencia que além do comprometimento genérico, deve existir também o comprometimento profissional, como uma dívida que o profissional assume em sua prática.
O segundo capítulo, A Educação e o Processo de Mudança Social, inicia-se com uma reflexão antropológico-filosófica sobre o conceito de educação imbricado à questão da mudança. Nessa via, a educação tem caráter permanente, contínuo e o homem, um ser incompleto, inacabado por natureza, deve estar sempre em formação; aliás, “não haveria educação se o homem fosse um ser acabado”, reitera Freire ([1979] 2008, p. 27). O homem é um ser em constante aprendizagem, um “educando” jamais sabedor de tudo, jamais ignorante absoluto: “por isso, não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo” (FREIRE, [1979] 2008, p. 29). A educação envolve várias questões. Primeiro, Freire elucida que não há educação se amor, pois “quem não ama não compreende o próximo, não o respeita” (FREIRE, [1979] 2008, p. 29). Assim, a educação deve estar ligada a esse respeito que não busca apropriar-se do próximo, impor-se, pelo  contrário, almeja a comunicação e interação respeitosas. Outro ponto é que não há educação sem esperança, nem mesmo sem relações, pois o homem é um ser de relações. Sobre relações, Freire elucida a questão das sociedades (fechadas) cujas decisões econômicas são feitas fora delas, como é o caso dos países da América Latina, especialmente no contexto social, econômico e político anteriores às décadas de 1960 e 1970: “A sociedade fechada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio e por desenvolver todo um sistema educacional para manter este status” (FREIRE, [1979] 2008, p. 34). Esses países de terceiro mundo só tomam decisões que não ferem seus colonos ou aqueles que têm influência e poder muito fortes sobre os mesmos, como é o caso dos Estados Unidos. À título de ilustração, podemos refletir sobre a exportação do café brasileiro. Não é novidade para ninguém que os melhores produtos (aqui produzidos) são consumidos pelos países ditos de primeiro mundo. Ademais, uma sociedade alienada não pensa por si, é inautêntica. Apesar das mudanças ou aberturas na América Latina, Freire destaca que há ainda uma “consciência bancária” da educação, ou seja, ao fato de que o educador é aquele que deposita conhecimentos e o aprendiz aquele que recebe “passivamente” os mesmos. Nessa concepção, acredita-se que quanto mais se “dá”, mais se sabe. Tudo isso é reflexo de uma consciência ingênua, sem profundidade da realidade, sem inquietações ou indagações. Enfim, em todas as questões tratadas nesse capítulo, é muito relevante salientar que há uma aproximação muito forte de Freire com Marx. Assim como este último, aquele primeiro reclama o fato de um indivíduo inserido em um contexto social, encontrar muitas dificuldades para “romper” com seu status (ad exemplus, de operário para professor universitário) em virtude das condições econômicas e sociais que lhe são impostas.   
O terceiro capítulo trata d’O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança, ou seja, Freire discorre acerca desta questão, e inicia o capítulo refletindo, em um tom bastante filosófico em relação aos capítulos anteriores, sobre a profundidade desta expressão.  Discorre sobre a dialética mudança-estabilidade, e afirma que as mesmas não são independentes da estrutura (social): “mudança e estabilidade resultam ambas da ação, do trabalho que o homem exerce sobre o mundo. Como um ser de práxis, o homem, ao responder aos desafios que partem do mundo, cria seu mundo: o mundo histórico-cultural” (FREIRE, [1979] 2008, p. 46). O mundo é produto da práxis humana e, ao mesmo tempo, (o mundo) se volta para ele (o homem), condicionando-o.  Todas as questões referentes à dicotomia estabilidade-mudança referem-se às estruturas sociais. Essas estruturas sofrem mudanças, mas também se estabilizam, e são exatamente estas (estruturas) que se colocam para o trabalhador social cumprir suas tarefas. Ou seja, é somente por meio da percepção do ontos (essência da realidade) que o homem pode refletir e agir conscientemente para mudança da realidade, pois se a estrutura social é obra do homem, a sua transformação também o é. Nesse sentido, o trabalhador social não pode se colocar “neutro” no processo, nem tampouco impor (mesmo mascaradamente) seus ideais (aliás, ele busca ser um instrumento de verdadeira libertação e humanização). A realidade pode, portanto, ser mudada; não é algo utópico, inacessível, “a mudança da percepção da realidade, que antes era vista como algo imutável, significa para os indivíduos vê-la como realmente é: uma realidade histórico-cultural, humana, criada pelos homens e que pode ser transformada por eles.” (FREIRE, [1979] 2008, p. 50). Freire tenta demonstrar que as mudanças nas estruturas sociais são possíveis, mas, para tal, exige um processo de reflexão e reconhecimento da realidade que condiciona o ser, para que este possa atuar sobre essa mesma realidade e mudá-la. É por meio da percepção que ele pode alterá-la, objetivá-la. Portanto, de um fatalismo, passa-se para um estado de esperança. Entretanto, é de se esperar que as estruturas sociais que estão sofrendo pressão (para uma consequente mudança) reajam a tais pressões e resistam a toda e qualquer mudança social. Ainda nesse capítulo, Freire toca a questão da cultura: “evidentemente, a maneira de andar, de falar, de cumprimentar, de se vestir, os gostos são culturais. Cultural também é a visão que tem ou estão tendo os homens da sua própria cultura, da sua realidade” (FREIRE, [1979] 2008, p. 57). A despeito dessa visão (condicionadora do social), o homem é capaz de alterar sua realidade: “tentar a conscientização dos indivíduos com quem se trabalha, enquanto com eles também se conscientiza, este e não outro nos parece ser o papel do trabalhador social que optou pela mudança” (FREIRE, [1979] 2008, p. 60, grifo do autor).      
O quarto e último capítulo, Alfabetização de Adultos e Conscientização, trata da relação homem-educação-mundo. O homem é sujeito da educação e não objeto da mesma. Assim, ele deve agir criticamente em seu espaço social e histórico-temporal. É a partir do conhecimento de suas condições, que esse sujeito poderá se “distanciar”, analisar sua realidade e intervir sobre ela. O homem descobre-se nessa realidade, realidade essa que guarda em si uma pluralidade, criticidade, consequência e temporalidade. Essas características fazem parte das complexas relações humanas e “é porque se integra na medida em que se relaciona, e não somente se julga e se acomoda, que o homem cria, recria e decide” (FREIRE, [1979] 2008, p. 64). Freire faz uma discussão filosófica sobre o “agir” humano sobre sua realidade e como esse processo de “mudança” da realidade, implica, concomitantemente, mudanças no ser, nas épocas históricas. Essas mudanças se dão por transições, momentos de opções, de escolhas. Freire avança o capítulo refletindo sobre essa transição no Brasil. Para ele, as transições, ou avanços fazem parte da democratização do país. Para tal, é necessário o conhecimento e a organização do pensamento. Assim, pensar é um ato fundamental. Como fazê-lo? - indaga Freire. Por meio do diálogo, da pedagogia da comunicação. É por meio da comunicação que o analfabeto é alfabetizado, que aprende a gramática, o vocabulário, etc. Enfim, Freire apresenta alguns resultados frente ao Programa Nacional de Alfabetização de Adultos em conjunto com a Universidade do Recife. Todos positivos!

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